Depoimento de um voluntário
Um funcionário voluntário que participa ativamente do programa de voluntariado da Claro é um dos autores do livro “Solidariedade II”, que conta histórias bonitas e transformadoras.
Confira o depoimento de Eduardo, que é um dos capítulos do livro:
Enxergando com os olhos do coração
Terça-feira, 12/06/2012, dia dos namorados. Trabalho na
empresa Claro desde 1998 e estamos em nossa semana do voluntariado.
Além de já trabalhar como voluntário fora da empresa,
sou atuante nas atividades internas da Claro neste assunto.
Várias foram as atividades voluntárias nesta semana e
me cadastrei para um passeio com crianças com deficiência
visual que a Claro estava organizando juntamente com as
crianças da Fundação Dorina Nowill para cegos.
A Fundação Dorina Nowill tem a missão de facilitar a
inclusão social de pessoas com deficiência visual, respeitando
as necessidades individuais e sociais, por meio de produtos e
serviços especializados – http://www.fundacaodorina.org.br.
Nosso passeio iria acontecer em dois dias. Estive em
uma reunião de treinamento, onde aprendi um pouco como
devemos lidar com eles. Achei muito interessante e quero compartilhar
com vocês.
As crianças que iriam conosco tem, em média, de 6 a 10
anos de idade. Ao todo, seriam 10 crianças neste passeio. Olha
que legal, de criancinha até mais ou menos uns três anos, para
caminhar, você os segura pelo pulso. Acima desta idade (muitos
deles ainda não conhecem e não sabem usar a bengala),
seguramos pelas mãos e na fase adulta eles seguram em nossos
cotovelos e, quando são mais altos do que nós, seguram
em nossos ombros, sempre com o braço direito.
Na sala havia vários voluntários. Participamos de um
exercício para tentar descrever um determinado objeto. Vendamos
nossos olhos e cada um de nós pegaria um determinado
objeto dentro de uma caixa e tentaria descrevê-lo. Eu fui o
segundo. Peguei um círculo pequeno de borracha, parecido
com aqueles tapetes de borracha. De um lado liso e do outro
mais áspero.
Para se ter uma ideia, hoje o termo correto que se deve
usar é Pessoa com Deficiência e não portadora de necessidades
especiais ou com necessidades especiais. Aprendi que
existem cerca de 6,5 milhões de pessoas com deficiência visual
e a cada 3 segundos uma pessoa fica cega.
Ensinaram-nos que devemos sempre perguntar a eles se
querem nossa ajuda e não ir chegando e oferecendo. Devemos
respeitá-los nisso. Ao entrar ou sair de uma sala, devemos
comunicar o fato a eles: “olha, eu vou sair da sala”, “olha,
eu já voltei”. Além disso, não precisamos falar alto, eles nos
escutam bem.
Iríamos levá-los a um passeio na Praça Victor Civita,
ao lado do prédio da editora Abril, na Marginal Pinheiros,
em São Paulo. A Praça Victor Civita é um espaço público
único em São Paulo. Ela foi construída em uma área anteriormente
degradada e agora oferece ao público, gratuitamente,
ampla programação cultural, esportiva, de lazer e de educação
ambiental – http://pracavictorcivita.org.br.
Já na quarta-feira, dia seguinte, comecei a pensar em
algo para este trabalho. Tinha a intenção de escrever uma cartinha
e tentar imprimir em Braile, mas o dia passou e nada fiz.
À noite, pensei: “Será que vai ter algum com o nome de Eduardo?
Puxa, seria bem legal.” Mas, resolvi esperar. Não adiantava
nada eu ficar pensando no assunto.
Na quinta-feira pela manhã, estava tomando meu café e
resolvi ligar para minha amiga Jucilene, que é deficiente visual.
Solicitei a ela uma ajuda, pois gostaria de dar algo para
as crianças. Primeiro, ela me recomendou bala de goma, daquelas
balas sortidas em forma de ursinho, carrinho etc. Como
segunda opção, disse: “que tal um áudio-livro?” Achei interessante
e, na mesma hora, liguei para a Livraria Cultura, mas
não daria tempo da entrega, já estava muito em cima da hora.
Chegando à Claro, comuniquei a ideia para Aline, que
aceitou prontamente que eu desse as balas, sem nenhum problema.
Sairíamos às 13h00 em direção à praça, para nos encontrarmos
com as crianças.
Logo ao meio-dia, fui almoçar com minha esposa e depois
entramos em uma loja de doces. Havia vários tipos de
bala de goma. A princípio, iríamos levar sortidas. Já estavam
quase todas em minhas mãos, quando vi a bala que vem no
formato da carinha do Mickey. Adoramos, pois temos uma
filha de dois anos chamada Júlia e ela adora o Mickey. Como
só havia seis pacotes, solicitamos mais balas ao vendedor. Ele
me mostrou uma caixa com doze e eu precisava apenas de
dez, mas, duas a mais, pensei comigo, tudo bem.
Encontramo-nos no estacionamento, subimos na van que
nos transportaria até lá e seguimos rumo ao local onde seria a
nossa visita. Esperamos por cerca de vinte minutos, quando o
ônibus das crianças chegou. A coordenadora, Edni, veio a nós
e comentou que havia uma criança a mais (11 crianças) e que
duas delas (um menino e uma menina) não possuíam nenhuma
visão e que as outras tinham problemas, mas conseguiam enxergar
parcialmente.
Eu queria muito viver essa experiência e pedi para ficar
com o menino completamente sem visão, o que permitiram.
O nome dele é Júlio, ele tem seis anos. Na mesma hora, um
colega, Moisés, pediu para ficar com a menina.
Assim que Júlio desceu do ônibus com sua mãe, fui apresentado
a ele. Abraçamo-nos e eu disse que o acompanharia.
Logo no começo do passeio, sentamos para ouvir as instruções
iniciais. Peguei uma grande folha de árvore e coloquei
em sua mão para que sentisse. Ele pegava a folha, mexia,
virava, passava a mão e sentia cada detalhe.
Ele continuava a passar a folha de uma mão para outra,
estava nervoso. Edni chegou ao nosso lado e o acalmou.
– Júlio, este é o Tio Eduardo, ele vai ficar com você,
fique calmo.
Ele estava todo tempo segurando minha mão. Quando
ela acabou de falar isso, ele colocou sua outra mão sobre a
minha e batia devagar, como quem diz: tudo bem.
Havia várias árvores. Fomos até uma delas e o ajudei a
abrir os braços e abraçá-la, para que ele pudesse ter a dimensão
do tamanho de cada uma delas. Eu já conhecia esse lugar
mas, a cada passo, eu tentava observar tudo ao meu redor e
descrevia, para que ele não perdesse nada daquele momento.
Mostrava a ele a diferença entre um chão de cimento
que pisamos e a diferença que sentia ao pisar em um paralelepípedo.
É engraçado, mas para muitos de nós, isso é irrelevante,
mas, para ele, cada passo, cada alteração por onde passa
é uma novidade.
Entramos onde um dia foi um incinerador. É um salão
com vários vidros pintados na parede, falando sobre a obra da
praça. Havia salas que estavam com as portas fechadas e, a
cada passo, ele colocava suas mãos na parede, na porta, no
vidro e ia sentindo o ambiente, até que paramos em frente a
uma grande estante com livros e revistas.
Dei uma revista em suas mãos e comecei a folheá-las
com velocidade para fazer um ventinho em seu rosto e falava
uuuuuuuuuuuuuuuuuuhhhhhhhhhhhhhhh. Chegou sua vez. Ele
não parava de fazer isso. Folhear a revista o deixou muito
feliz.
Lá, existe uma grande horta. Passamos as mãos no alecrim,
na alface, na cebolinha, dentre outras folhas, e fomos
até o minhocário. Tia Tereza colocou uma minhoca em suas
mãos e, com os dedos, ele ia tocando para saber como ela era.
Na sequência fomos lavar as mãos e ganhamos um lanche.
– Tio tem pão, adoro pão, ele disse.
A cada minuto, ele segurava em minhas mãos para ter
certeza de que eu estava ao seu lado.
Em seguida, fomos até a área de reciclagem/reaproveitamento
de materiais, onde eles nos ensinaram a fazer brinquedos.
Lá, separam as crianças dos voluntários, pois assim
as crianças podem fazer seus brinquedos sozinhas, só que neste
caso, tanto Moisés quanto eu pudemos ficar com as crianças.
Neste momento, também entrei na brincadeira e comecei a
fazer caretas para os outros voluntários para sacanear com os
que ficaram do outro lado.
Montamos dois brinquedos, um chamado “Cabulete” e
outro que parecia um chocalho. O primeiro era feito com uma
garrafinha de Danone e um círculo de papelão colado na parte
superior, preso com duas tampinhas, uma de cada lado. Ao
virar a garrafinha com as palmas das mãos, as tampinhas batiam
no círculo e faziam barulho. Para fazer o segundo, dobramos
uma folha de raio-x, igual a que tiramos em hospital,
enrolamos, colocamos pedrinhas dentro e fechamos as extremidades
com tampinhas de detergente liquido.
As crianças foram ao delírio. Imitávamos o barulho de
um trem. Eu aproveitei. PIUIIIIII me lembrava do Patati Patatá
que minha filha adora.
Já quase no final, falei para o Júlio:
– Olha, há um grande jacaré de papelão no teto, deixa
todos saírem que eu vou te levantar e você vai senti-lo, ok?
Ele abriu um sorriso que não tive como resistir. Pegueio
no colo e ele foi sentindo o jacaré. No teto havia mais um
enfeite. Segurei em suas pernas e pedi:
– Confie no tio!
Chamei outro voluntário, o Elcio, e juntos o ajudamos
para que ele pudesse tocar no brinquedo preso ao teto. Ele
adorou. Seu rosto expressava uma alegria que extravasava.
Na volta, tiramos várias fotos. Eu, particularmente, não
gosto de despedidas e não foi fácil me segurar. Diversas vezes
meus olhos lacrimejaram. Já na van, escutei algumas frases
como: “é, ela enxerga sim, mas não tem cura. Aos sete anos
não vai mais poder enxergar”; “Ahhh, sim, ela ficava olhando
você, Elcio. Era só você falar e ela ria.”
Já faço trabalho voluntário há muitos anos e sempre,
ao final, tenho a sensação de dever cumprido. Mas nesse foi
diferente. Tive a sensação de não querer que chegasse às
17h00 para voltar. Era como se quisesse que o tempo continuasse
naquele mesmo tempo ou que passasse mais devagar.
Fiquei com saudades e ainda estou.
Estou finalizando meu depoimento. Acho que ninguém
esta vendo como estou, ufa… “Chamon, Chamon, olha um
CD com as fotos de recordação…”
Ele foi para casa. Foi uma tarde divertida, ganhou um
brinquedo, mas eu… Eu fiquei com o registro do que meus
olhos viram, do que o coração sentiu e da recordação que me
presentearam.
Foi um dos trabalhos mais gratificantes que já fiz.
Só posso agradecer ao Papai do Céu pela oportunidade…
Eduardo Chamon
Para conhecer e/ou adquirir o livro: http://www.siteamigo.com/Livro_Solidariedade/livro.htm